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Mãe Samaúma: espírito de proteção da floresta

Por Pardal Luiz
A samaúma é uma árvore milenar da região da Floresta Amazônica. Com uma altura entre 80 a 90 metros, essa espécie chega a ter um diâmetro de 5 a 8 metros. Para se ter ideia do tamanho do seu “corpo”, na sua fase adulta é necessário uma roda de mais 25 pessoas adultas para abraçar essa majestosa árvore.

Samaúma de médio porte, localizado na aldeia do Caucho. Foto tirada em março de 2017 durante uma expedição.

Em março de 2017 estive na aldeia do Caucho, no alto rio Murú (Acre), com mais 23 pessoas entre índios e não índios e juntos não conseguimos abraçar a majestosa samaúma. Apesar de seu tamanho imponente, a madeira da samaúma é macia, o que demonstra a sua fragilidade frente à potência das motosserras dos madeireiros.

Durante minha expedição encontrei algumas samaúmas. Nas terras dos shanenawás, no baixo rio Envira, em Feijó, encontrei cinco lindas árvores desta espécie, algumas delas em fase jovem, mas que, segundo o povo da floresta, tinham não mais que 40 anos. Pude ver ainda exemplares muito antigos, já bem altas, e uma gigante, que de acordo com um índio, deveria ter mais de 500 anos. Naquela hora pensei, então, que quando o português Pedro Álvares Cabral chegou à Bahia, essa árvore já existia. Minha reflexão foi além e não pude deixar de questionar o fato dos não índios insistirem em cortar, derrubar e matar uma árvore dessa magnitude. Grandiosa, ela pode levar entre 200 e 300 anos para atingir sua fase adulta. Mas, mesmo não sendo considerada uma maneira nobre, é um alvo constante dos madeireiros pela sua maciez, e por ser de fácil corte e manuseio. É cobiçada para confecção de compensados

As samaúmas são lindas, soberbas e misteriosas. Não se tem conhecimento, na Amazônia, de um espaço no qual haja concentração desta espécie, porque a sua reprodução é complexa e depende de diversos fatores naturais. Por exemplo, as samaúmas são muito delicadas e o seu florescimento é irregular, podendo demorar até cinco anos para florescer. Quando este evento ocorre a samaúma produz uma grande quantidade de flores brancas, que duram apenas uma noite.

Já o processo de fecundação ocorre com a ajuda do mundo animal. São morcegos que em bandos deslocam-se entre as samaúmas e ao colherem o néctar, sujam seus pelos com o pólen, que se espalham quando pousam em outra árvore da mesma espécie, fecundando assim as flores. Abelhas selvagens ou mansas, besouros e algumas aves também participam ativamente na fecundação desta árvore. Sem a ajuda desses animais e insetos, seria muito difícil a fecundação devido à grande distância entre as árvores.

A “mãe” samaúma é venerada por todas as tribos indígenas da Amazônia. Esse apelido é dado pelo fato de que ao esbanjar altura, a samaúma enxerga toda a floresta por cima, sendo por esse motivo considerada a mãe da floresta. Esses povos contam lindas histórias sobre a manifestação de seus espíritos nas noites de lua cheia. Além disso, o povo da floresta, afirma que a árvore tem propriedades medicinais. Sua importância é vital para a floresta amazônica e o meio ambiente.  Sua copa grandiosa abriga um pequeno ecossistema. Por conta de sua grande altura, as raízes das samaúmas são profundas e esse fato colabora para a irrigação dos lençóis freáticos mais profundos até a superfície favorecendo o processo da geração de umidade, isto é, evaporação e geração de chuvas. É importante ressaltar que a samaúma irriga as folhas não apenas em seu longo e espesso tronco, como também fornece ao ambiente a condição de irrigar parte da umidade das profundezas do solo até 100 acima da superfície, dividindo a água que conduz com outras espécies.

Bela, majestosa, útil à natureza é considerada sagrada para todas as etnias dos índios da Amazônia e celebrada pelos não índios que estudam e se interessam por ecologia. Um grupo de estudantes da Universidade Federal do Acre a chama de “uma escada para o céu” em um material produzido no âmbito do projeto Cine Ecologia, ministrado pelo professor doutor Fernando Schmidt, do curso de engenharia florestal. Assista ao vídeo e conheça um pouco mais sobre essa árvore mágica.

A atriz e apresentadora de TV brasileira Regina Casé foi à bacia Amazônica e fez uma reportagem sobre a importância da Samaúma, o GPS da floresta. Assista ao vídeo:

A lenda da garota que vive na árvore

As tribos da Amazônia acreditam que a samaúma tem na sua base (sacupema) uma grande porta invisível aos olhos humanos, usada ​​para se comunicar com mundos existentes. Essa porta, contam os índios, seria uma passagem entre o universo humano e o universo espiritual amazônico. Por essa porta entram e saem seres mitológicos da “selva mãe”. Um desses mitos é a existência de uma bela garota que vive na árvore – o verdadeiro espírito essencial da samaúma, o de uma grande curandeira e protetora dos animais e plantas da floresta.