Os shawãdawás
Os shawãdawas compõem um grupo originário da Terra Indígena Arara do Igarapé Humaitá, localizada no Alto Juruá, no estado brasileiro do Acre. Em 2010, segundo dados do Museu do Índio (Governo Federal do Brasil), a população era de 880 pessoas, enquanto levantamento de 2014 do Instituto Sociambiental (ISA) indica como remanescentes apenas 677 indivíduos.
Segundo o Museu do Índio (Governo Federal do Brasil), na região de Humaitá, atualmente encontram-se três comunidades e cinco aldeias da etnia, sendo elas respectivamente: Foz do Nilo, Raimundo do Vale e Novo Acordo; Santo Antônio, Paz, Bom Futuro, Matrinchã e São Luiz. No rio Val Paraíso, afluente direto do Juruá. Em decorrência do nome da sua área original, muitas vezes são chamados de arara por índios de outras etnias e não índios. Mas entre eles se autodenominam shawãdawas.
Como outros grupos indígenas do Acre, como os hunikuins e os shanenawás, os shawãdawas passaram pelas dificuldades impostas pelo período denominado de Ciclo da Borracha (1870 até 1913), passagem histórica que afetou de forma violenta e definitiva a porção acreana da Amazônia e parte da região Norte do Brasil. Nas batalhas com seringueiros e migrantes impulsionados por uma política migratória de estado, muitos desses povos originários foram explorados, aprisionados, mortos e tiveram suas vidas cerceadas pelo movimento de produção dos seringais. De acordo com dados do ISA, nos anos recentes essa etnia tem se empenhado no processo de revalorização de sua família linguística, pano. Atualmente também trabalham para fortalecer e recuperar suas tradições (com a ajuda dos mais antigos e que ainda dominam a língua).
Esse povo viveu um grande período de discriminação ao falarem sua língua materna, e por esse motivo ficaram um longo período sem transmiti-la a seus descendentes, gerando uma população infantil educada apenas em português. A consequência da interrupção do uso da língua foi o desaparecimento da terminologia de parentesco como a possível divisão social em metades, e em quatro (característica de outros grupos de língua pano). No início da década de 1990 eles começaram uma processo de resgate da língua, e passaram a trabalhar uma educação bilíngue no grupo, com o apoio Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre).
A organização social nas aldeias se dá hoje por meio das lideranças indígenas, os caciques. Hoje há três, um para cada aldeia. As aldeias remanescentes não têm mais uniformidade por família, havendo indivíduos das principais famílias nas três aldeias. Assim como a retomada da língua original, os shawãdawas trabalham por um rearranjo no parentesco do grupo com o intuito de formarem descendentes. Nesse sentido, da união de um homem de origem mesmo que longínqua desse povo com uma mulher shawanáwa resulta um descendente da etnia da mãe, um legítimo shawãdawa.
Esta etnia é, de maneira geral, monogâmica e não tem um ritual para consolidar uma união, geralmente seguindo os ritos católicos. No entanto, existem regras para que ocorra uma casamento: o homem precisa ter uma espingarda para caçar e deve plantar um roçado para sustentar a mulher. É preciso também que ele construa uma casa (enquanto a habitação não fica pronta a esposa mora na casa do pai do marido). O casamento é incentivado entre jovens casais, em uma faixa etária dos 13 ao 16 anos, o que favorece o crescimento populacional. Os papéis desempenhados seguem a forma binária (homem-mulher) que divide as tarefas por gênero.
A alimentação desse povo tem tradição na caça e agrícola, ambas funções do homem no código local, mas com a permissão de que as mulheres ajudem durante a colheita. A base da alimentação dos shawãdawas vem da mandioca, da qual também fazem a farinha. As mulheres se ocupam das atividades domésticas, cuidando da casa, dos filhos e de algumas criações, como porco e galinha. Mulheres também não participam da caça.
Os shawãdawas mais idosos são responsáveis hoje por passar as tradições desse povo às gerações. Por guardarem em si as memórias são muito respeitados. São esses guardiões que transmitem aos jovens, crianças e adultos as histórias mitológicas e os rituais, como a dança mariri (comum entre os grupos de língua pano), o sinbu (bebida sagrada ou ayahuasca) e o kampô.
Nos rituais de mariri, as pessoas mais antigas, aquelas que falam a língua fluentemente, cantam e ensinam os mais jovens. O ritual do sinbu é praticado, mas alguns índios dessa etnia não costumam mais ingerir o sinbu, mesmo tendo feito uso dele em algum momento. Em período anterior à introdução deste povo no sistema produtivo da borracha o uso do sinbu era mais recorrente, inclusive para sessões de cura, quando o pajé consumia a bebida e buscava os males no paciente para retirá-los e trazer de volta a saúde.
Segundo informações do ISA, a partir da década de 1990, alguns shawãdawas tornaram-se adeptos do Santo Daime, mas pela introdução da religião não contar com a adesão total das aldeias do grupo poucos indivíduos se consideram daimistas. Entre este povo há duas formas de usar ritualisticamente a ayahuasca: a primeira, a mais tradicional, em sessões de cura; e a segunda, por aqueles que consomem o cipó com a intenção de partilharem da doutrina do Santo Daime.
Já o ritual do kampô é utilizado para recuperar as qualidades essenciais do caçador: pontaria, visão, audição e sorte. Pegam o sapo kampô (verde e grande) e retiram dele, com um graveto, o um líquido que parece leite que fica ao longo de seu corpo. Depois, queimam dois ou três pequenos pontos circulares na pele do caçador com cigarro, ou com brasa, para introduzirem o leite sobre a queimadura. Essa aplicação gera vômitos e excreção e os índios acreditam que abrem a capacidade de ver e sentir os movimentos dentro da selva, o que facilita a caça.
Fontes:
Museu do Índio – http://prodoclin.museudoindio.gov.br/index.php/etnias/shawadawa/povo#HIST%C3%93RIA
PIB Socioambiental, Instituto Socioambiental (ISA)
https://pib.socioambiental.org/pt/povo/arara-shawadawa