Os shananawás ou shanenawás
O nome Shanenawá, etimologicamente, é composto pelo termo shane (espécie exótica de pássaro, de cor azul cintilante com aproximadamente 30 centímtros de altura) e pelo sufixo nawá (povo). Os denominados “povo pássaro” constituem juntamente com os kampas, kulinas e kaxinawás a população indígena que habita a região do rio Envira – que corta o estado do Acre no município de Feijó, localizado a cerca de 700 quilômetros ao norte da capital Rio Branco.
Atualmente, o povo shanenawá subdivide-se em quatro comunidades localizadas no Acre: Aldeia Morada Nova (2 km próximo da cidade de Feijó); Cardoso, localizada em um igarapé de mesmo nome (a 20 km ao norte de Feijó); Nova Vida (a cerca de 10 km ao sul da cidade), e a aldeia Paredão (a mais distante de Feijó, a 30 km ou aproximadamente 45 a 60 minutos, descendo o rio Envira). Sobre sua origem os shanenawás dizem ser descendentes de um povo que no início do século habitava a região do rio Gregório.
Os shanenawás sofreram consequências das invasões que ficaram conhecidas como o período das “correrias”, iniciado em 1913 com a chegada dos nordestinos em busca da seringa. Nesse período, o governo federal brasileiro promoveu um modelo de ocupação territorial do Acre, incentivando a migração de pessoas, a maioria vinda da região Nordeste, para a Floresta Amazônica, na busca do látex das serigueiras. Para os povos originários o período se caracterizou pela falta de um lugar que lhes garantisse segurança em seu habitat tradicional. Assim, nos primeiros contatos com os não índios, as populações indígenas, eram obrigadas a trabalhar na coleta de borracha. Porém, ao término dos serviços, os índios eram expulsos da área que habitavam. As consequências disso levava essas nações a passarem fome e adoecerem, levando grande parte dos expulsos de seu território à morte.
Nessa época, por não terem espaço garantido para sua sobrevivência, os shanenawás, passaram a reivindicar às autoridades locais e federais um território que pudesse assumir como deles, já que haviam sido retirados de sua região original. Esse espaço foi “concedido” aos shanenawás por volta de 1926, por meio de uma “doação” feita por um seringueiro da região.
O primeiro shanenawá a chegar ao novo habitat foi Inácio Brandão, conforme relatam hoje os representantes desse grupo. Segundo estimativa dos próprios indígenas, atualmente o núcleo familiar Brandão é constituído por mais ou menos 310 pessoas, entre adultos e crianças, espalhadas de modo heterogêneo pelas quatro aldeias ao longo do rio Envira. As habitações dos shanenawás são semelhantes às das outras etnias da região: as casas são do tipo palafitas, feitas de paxiúba e cobertas com folhas de coqueiro (jacir). O espaço divide-se em áreas abertas que funcionam como sala de visitas e cozinha. As áreas fechadas são os locais reservados para dormir.
Esse povo subdivide-se em clãs: waninawa (povo da pupunha), varinawa (povo do sol), kamanawa (povo da onça), satanawa (povo da ariranha) e maninawa (povo do céu). Os filhos são membros do clã da mãe e como regra, em geral, só podem casar com indivíduos pertencentes ao mesmo clã. Mas isso, às vezes, não acontece, já que há alguns matrimônios interétnicos de índios com não-índios. Segundo o cacique Busã, as famílias são monogâmicas, embora sejam permitido que os caciques da etnia possam ter até três esposas dentro de casa, podendo ter filhos com todas. Não é uma regra a ser seguida, mas uma possibilidade ao “chefe”. O índio que opta por ter duas ou três mulheres tem a obrigação de observar a igualdade nas relações. Isso o obriga a se deitar com todas as mulheres na mesma noite, caso mantivesse relações sexuais com alguma. Pela manhã, ele tinha que levantar cedo para caçar e sustentar a família. O cacique Busã, consciente dessa responsabilidade afirma que ter mais mulheres é sinônimo de mais famílias, mais responsabilidade. Por esse motivo ele afirma que não pretende deixar a monogamia.
Os shanenawás possuem uma organização centralizada na figura do chefe, no caso o cacique, cujo cargo é hereditário. À liderança cabe o dever de se dedicar inteiramente aos interesses da comunidade representando-a em contatos com autoridades públicas dos não-índios. O chefe tem poder de decisão, embora atualmente as decisões mais importantes sejam tomadas de forma coletiva em reuniões com outros importantes membros do povo.
A organização política do povo shanenawá considera o cacique a autoridade máxima, cabendo a ele resolver problemas internos e servir como representante do grupo em intermediações com a sociedade geral brasileira como, por exemplo, em reuniões da Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (Opire), em que se discutem problemas referentes à saúde, educação e comercialização de seus produtos.
O meio de vida econômico desse povo é de subsistência, centrando-se em coleta, pesca e caça. A primeira se restringe a materiais essenciais, como a paxiúba e a palha, usadas nas construções das casas. Os shanenawás igualmente coletam envira e tabocas para a confecção de cestos e artesanatos, tais como arcos e flechas, que eventualmente comercializam. A caça, por sua vez, está praticamente extinta. Já a pesca, eles exercem no formato de sua cultura. Pescam no período de águas a nível baixo do rio Envira e igarapés Diabinho e Cardoso, que desembocam próximos às comunidades.
No processo de desenvolvimento da economia da borracha, os índios foram alocados como mão-de-obra para o fornecimento de carne de caça e outros produtos da alimentação. Posteriormente foram integrados à lida do seringal e à própria extração da borracha. Além destas atividades, os shanenawás também participaram do “amansamento” dos índios “brabos” – como eram chamados os índios não contatados, que não querem ter convívio com não índios – da região do alto rio Envira.
Os modos de vida desse povo passaram por uma reestruturação: a moradia foi transferida mais para o interior da floresta, onde há seringueiras. Houve uma maior fartura de caça, mas por outro lado, deixaram de lado o acesso à grande quantidade de peixes dos rios e as duas colheitas agrícolas que faziam durante o ano. O declínio das atividades extrativistas abriu espaço para as atividades pecuárias na região, o que aumentou consideravelmente os conflitos pela posse de terra.
Os shanenawás vivem na margem do rio Envira. Antigamente moravam em cupinxauas (espécie de taba, habitação construída de palha), na qual moravam todos os membros de um clã. Hoje vivem em moradias sobre as águas, palafitas feitas de madeira serrada e cobertas com palha de envira ou de alumínio. Plantam roças próximas à aldeia com macaxeira, banana, milho e amendoim. Também plantam em escala menor batata-doce, abóbora, inhame, cará, cana-de-açúcar, mamão e melancia. Coletam manga, caju, ingá, e açaí com muita abundância, todos frutos originários da região. Compram alguns produtos em Feijó, principalmente carne, na época das cheias do rio Envira e seus Igarapés (quando não se pode pescar para garantir a reprodução dos peixes), e criam pequenos animais.
No artesanato típico deste povo, os homens fabricam arco e flecha e as mulheres fazem colares, chapéus, saias, pulseiras e cestos. Também fabricam vasos cerâmicos. A Associação Shananawá da Aldeia Morada Nova (ASAMN) facilita a venda destes produtos na cidade de Feijó.
Xamanismo, cosmologia e rituais
Os shanenawás creem nos espíritos bons e maus da floresta, chamados jusin. O principal jusin tsaka tem a forma de um animal monstro, que anda à noite, destruindo e queimando todas as coisas que encontra em seu caminho. Assim como outras etnias que utilizam a ayahuaska da Amazônia, os shanenawás também consagram os seus ritos com a bebida da floresta, que utilizam para se comunicar com os ancestrais, em busca de ter visões que ajudem na resolução de seus problemas. Em sua língua, chamam a ayahuaska de umi. Esse povo conta com a presença do pajé e contam com um vasto jardim de plantas medicinais na Aldeia Paredão. Aplicam no braço também o veneno do sapo verde phyllomedusa bicolor, o kambo, como planta medicinal e espiritual.
Curiosamente, essa etnia adota aspectos e parte da cultura católica. Praticam rituais que são mais brincadeiras, especialmente na estação seca com mariri que é uma dança, o pau-de-sebo, o tiro de arco e flecha como competição entre as seu povo.